Ele
era o homem mais rico do mundo. Cada detalhe dentro de sua mansão custava a
maior quantia de dinheiro possível. Seus móveis eram banhados a ouro puro. Cada
peça de roupa que usava era importada e costurada nos mais finos tecidos. Ele
tinha tudo o que queria. Bastava um estalo de dedos e seus mais profundos
desejos materiais se tornavam realidade. E mesmo assim, Anelídeo não era feliz.
De jeito nenhum. Por isso, vivia com uma feição de descontentamento no rosto, o
que amedrontava cada um de seus criados.
Mas o que poderia querer um homem
tão rico para completar o quebra-cabeça de sua felicidade? Ele só precisava que
o travesseiro ao lado do seu ficasse ocupado. Mas não por uma ou duas noites,
como costumava acontecer. Ele queria que aquele travesseiro ficasse ocupado
para sempre, sem que ele precisasse se preocupar se o travesseiro continuaria
ocupado caso ele perdesse todo seu dinheiro.
Sua mais confiável criada, Else, há
anos procurava a moça ideal para seu patrão, mas todas as mulheres que
encontravam só queriam seu dinheiro. E encontrar uma moça que se apaixonasse
por Anelídeo era uma missão impossível, pois nenhuma mulher conseguia
suportá-lo por mais de duas horas. Desde criança sendo considerado um chato.
Desde criança, incompreendido. Por isso, cresceu como um adulto trilionário,
sozinho e eternamente frustrado.
Anelídeo adorava se mudar. E se mudava
de cidade constantemente, levando todos os seus incontáveis bens materiais e
Else, que nunca o deixava. Em cada nova cidade que chegavam, Else
automaticamente convocava todas as moças belas e solteiras, sem o consentimento
de seu patrão, e as examinava de cima a baixo e as entrevistava exaustivamente.
Mas todas as suas investidas eram frustradas.
E a cada dia que passava e a cada
nova cidade em que desembarcavam, Anelídeo tornava-se mais e mais insuportável.
Seus criados viviam se demitindo por não aguentarem mais. Exceto Else, que por
algum motivo, prometera à moribunda mãe de Anelídeo que nunca ia abandoná-lo.
Eis que Anelídeo e seus empregados
chegavam à cidade de Esperas, conhecida na região por ser muito bonita e cujos
habitantes eram apaixonados por astronomia. Todos os habitantes eram adoráveis
e bem vestidos. Else percebeu isso enquanto passeava encantada pela avenida
principal da cidade, onde não havia nenhum carro, e parou em uma praça para
admirar aquele desfile de gente elegante naquela rua.
- Perdida? – perguntou um velho de
aspecto agradável, sentado em um banco próximo a Else.
- Não, obrigada. – e riu. – Só estou
observando a rua.
- Mas é nova na cidade.
- Como sabe?
- Eu nunca a vi perambulando por
essas ruas. Além disso, todos os turistas ficam surpresos com a beleza daqui.
Quem é morador dessa cidadezinha, já se acostumou com tanta perfeição, e não
fica com essa expressão boboca que a senhora pendura em sua fae agora. – deu
uma risadinha.
Bom, todos os habitantes eram
bem-vestidos e simpáticos. Só faltava encontrar a moça perfeita para seu
patrão.
- Há dois quarteirões daqui vive
Silvério, o homem mais sábio do mundo. Há quatro quarteirões há o nosso
instituto de astronomia. Sabia que semana passada eles descobriram a existência
de uma estrela que cabe na palma da mão? Por isso ela não é nem visível com
telescópios.
- Que intrigante.
- E há cinco quarteirões vive a moça
mais linda do mundo.
- Conte-me mais sobre essa moça. –
interessou-se Else.
- Essa é a pergunta mais fácil que
poderia me fazer. – sorriu o homem. – Anfisbena é professora da única escola da
cidade, portanto, é extremamente bonita e inteligente.
Aquele seria o seu alvo. O coração
de Anfisbena.
E lá iam Else e Anelídeo atrás do
endereço dado pelo velho. Quando encontraram a rua certa e, logo após, a casa
de Anfisbena, Anelídeo desceu de seu carrão importado e tocou a campainha. A
porta abriu e uma moça de beleza surreal apareceu. Ela era tão bela, mas tão
bela, mas tão bela, que no primeiro momento, Anelídeo entrou em transe e se
esqueceu de tudo. Um delicioso cheiro invadiu suas narinas, cheiro de
vamos-ser-felizes, cheiro de bolo, de rosas, de tempo passando e noites
adentro. Cheiro de café e jantar, cheiro de praia e de mar, cheiro de dia e
luar, cheiro de uma vida para dois. E viu-se rodeado por cenas do futuro que
ele queria com aquela mulher formosa ao seu lado.
- Boa tarde, o que deseja? – ela
perguntou.
- Meu nome é Anelídeo. E eu desejo o
seu coração.
- Mas nem nos conhecemos.
- Mas eu já estou apaixonado. – ele
jogou-se aos seus pés, clamando por qualquer ação amorosa da moça mais linda
que já havia visto.
- Desculpa, mas eu não quero assumir
compromissos. – lamentou-se a moça. – Quero ter um relacionamento com um homem
que um dia eu realmente ame, e eu ainda não o encontrei.
- Case-se comigo e eu prometo que eu
serei esse homem. Eu sou o homem mais rico do mundo. Veja meu carro e minhas
roupas! Eu prometo que lhe darei a vida que todas as mulheres querem.
Então, a mulher lhe lançou um
desafio para se livrar daquele maluco.
- Aceito seu pedido de casamento se…
você me der um presente.
- Qualquer coisa que pedir, lhe
darei.
- Eu quero que você me dê aquilo que
mais ninguém consegue ter, aquilo que só um homem trilionário como você pudesse
conquistar.
E fechou a porta sem dizer mais
nada.
Anelídeo passou a noite toda pensando,
revirando as prateleiras de sua mente, espremendo sua massa cinzenta atrás da
resposta.
- Isso é impossível, Else. Não há
nada que só eu consiga conquistar.
O pobre homem caminhou até à janela
e abriu o vidro. A brisa da noite lhe tocou o pescoço, lhe acariciou o rosto,
lhe bagunçou os cabelos e clareou a mente. Olhando aquele céu estrelado, teve a
ideia mais absurda de todas.
- Else, venha aqui! Rápido!
Eae foi correndo e parou ao seu
lado, olhando pela janela.
- Acho que encontrei o presente
perfeito.
Ela entendeu imediatamente.
- Mas como conseguirá conquistar,
seu Anelídeo?
- Não há nada que meu dinheiro não
consiga. – respondeu de supetão.
E na madrugada seguinte, adentrando
aquele matagal, iam Anelídeo, confiante, e Anfisbena, amedrontada, porém curiosa.
Aquela floresta que contornava a lateral da cidade seria o melhor lugar para a
entrega daquele presente. Era uma região perigosa, ele bem sabia, por isso
carregava um punhal no bolso do terno. Ao chegarem em uma parte bem isolada da
floresta, onde não corresse o risco de ninguém os encontraram, pararam de andar
e ficaram um de frente para o outro.
- Por que tivemos que vir até aqui?
- Não podemos chamar a atenção das
pessoas. O que tenho pra lhe dar, na verdade, eu tirei do mundo para dar
especificamente a você.
Ela ficou ainda mais curiosa e
inconscientemente animada.
- Isso é errado. Não posso ficar com
algo que não me pertence.
- Pertence sim.
- Com que direito posso me apossar
desse presente, se pertence ao mundo? – ela perguntou.
- Com o direito que eu usei todo o
meu dinheiro para comprá-lo para você. E agora é só seu!
Anelídeo entregou-lhe uma caixinha.
Ela pegou com muito cuidado, com os olhos fixos, corroída pela curiosidade.
- Pode abrir. – ele disse.
Com muito cuidado, ela obedeceu.
Abriu a caixa de supetão e uma luminosidade incandescente saiu da caixinha. Uma
luminosidade tão forte e tão poderosa, que cegou a moça no mesmo segundo.
- O que é isso? O que está
acontecendo? Não estou vendo nada. – disse a moça, com medo.
Ao ver o que lhe tinha acontecido,
Anelídeo fechou os olhos, com medo de também ficar cego. Ouvindo os gritos
horrorizados da moça, tateou rapidamente à procura da caixinha e com muita
dificuldade a fechou, trancando lá dentro a misteriosa luz assassina. Abriu os
olhos e lá estava Anfisbena, ajoelhada no chão, chorando incontrolavelmente,
com medo de nunca mais encontrar a luz do dia.
- O que você fez comigo? – perguntou
a moça, entre soluços de desespero e agonia. – O que é isso que tem dentro da
caixa?
Mas ele não soube responder. E não
disse nada. Apenas observava tortuosamente aquela moça de beleza brilhante se
rastejando no chão de seu infortúnio.
- Cadê você? – ela gritava. – Cadê?
- Eu estou aqui. – ele respondeu e,
desesperado, tirou do bolso de seu terno o punhal e disse: - Me desculpa, Anfisbena.
Me desculpa mesmo, eu não sabia… Então, para compensar o mal que lhe causei…
Ele enfiou o punhal no próprio peito
e abriu um buraco em formato de círculo. Um buraco grande o bastante para que
sua mão pudesse passar, arrancar seu coração de dentro do seu corpo e tirá-lo
para fora.
- Aqui está o meu coração…
Ele caiu de joelhos e,
conseqüentemente, morreu deitado, com a mão esticada entregando seu coração
para Anfisbena, mas ela não o pegou. E sem enxergar, nunca mais voltou a
encontrar a civilização, até que tropeçou em algumas pedras e caiu em um rio
que cortava aquela floresta. E a caixinha foi levada pela chuva para nunca
mais.
No dia seguinte à tragédia, o jornal
local da cidade de Esperas publicou na primeira página aquela declaração que os
astrônomos do instituto de pesquisas da cidade, tresloucados, fizeram à
imprensa naquela manhã: Estrela recém-descoberta foi roubada do céu de
Esperas.
Victor Tanaka
Nenhum comentário:
Postar um comentário