quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Noite Estrelada em Esperas



Ele era o homem mais rico do mundo. Cada detalhe dentro de sua mansão custava a maior quantia de dinheiro possível. Seus móveis eram banhados a ouro puro. Cada peça de roupa que usava era importada e costurada nos mais finos tecidos. Ele tinha tudo o que queria. Bastava um estalo de dedos e seus mais profundos desejos materiais se tornavam realidade. E mesmo assim, Anelídeo não era feliz. De jeito nenhum. Por isso, vivia com uma feição de descontentamento no rosto, o que amedrontava cada um de seus criados.
            Mas o que poderia querer um homem tão rico para completar o quebra-cabeça de sua felicidade? Ele só precisava que o travesseiro ao lado do seu ficasse ocupado. Mas não por uma ou duas noites, como costumava acontecer. Ele queria que aquele travesseiro ficasse ocupado para sempre, sem que ele precisasse se preocupar se o travesseiro continuaria ocupado caso ele perdesse todo seu dinheiro.
            Sua mais confiável criada, Else, há anos procurava a moça ideal para seu patrão, mas todas as mulheres que encontravam só queriam seu dinheiro. E encontrar uma moça que se apaixonasse por Anelídeo era uma missão impossível, pois nenhuma mulher conseguia suportá-lo por mais de duas horas. Desde criança sendo considerado um chato. Desde criança, incompreendido. Por isso, cresceu como um adulto trilionário, sozinho e eternamente frustrado.
            Anelídeo adorava se mudar. E se mudava de cidade constantemente, levando todos os seus incontáveis bens materiais e Else, que nunca o deixava. Em cada nova cidade que chegavam, Else automaticamente convocava todas as moças belas e solteiras, sem o consentimento de seu patrão, e as examinava de cima a baixo e as entrevistava exaustivamente. Mas todas as suas investidas eram frustradas.
            E a cada dia que passava e a cada nova cidade em que desembarcavam, Anelídeo tornava-se mais e mais insuportável. Seus criados viviam se demitindo por não aguentarem mais. Exceto Else, que por algum motivo, prometera à moribunda mãe de Anelídeo que nunca ia abandoná-lo.
            Eis que Anelídeo e seus empregados chegavam à cidade de Esperas, conhecida na região por ser muito bonita e cujos habitantes eram apaixonados por astronomia. Todos os habitantes eram adoráveis e bem vestidos. Else percebeu isso enquanto passeava encantada pela avenida principal da cidade, onde não havia nenhum carro, e parou em uma praça para admirar aquele desfile de gente elegante naquela rua.
            - Perdida? – perguntou um velho de aspecto agradável, sentado em um banco próximo a Else.
            - Não, obrigada. – e riu. – Só estou observando a rua.
            - Mas é nova na cidade.
            - Como sabe?
            - Eu nunca a vi perambulando por essas ruas. Além disso, todos os turistas ficam surpresos com a beleza daqui. Quem é morador dessa cidadezinha, já se acostumou com tanta perfeição, e não fica com essa expressão boboca que a senhora pendura em sua fae agora. – deu uma risadinha.
            Bom, todos os habitantes eram bem-vestidos e simpáticos. Só faltava encontrar a moça perfeita para seu patrão.
            - Há dois quarteirões daqui vive Silvério, o homem mais sábio do mundo. Há quatro quarteirões há o nosso instituto de astronomia. Sabia que semana passada eles descobriram a existência de uma estrela que cabe na palma da mão? Por isso ela não é nem visível com telescópios.
            - Que intrigante.
            - E há cinco quarteirões vive a moça mais linda do mundo.
            - Conte-me mais sobre essa moça. – interessou-se Else.
            - Essa é a pergunta mais fácil que poderia me fazer. – sorriu o homem. – Anfisbena é professora da única escola da cidade, portanto, é extremamente bonita e inteligente.
            Aquele seria o seu alvo. O coração de Anfisbena.
            E lá iam Else e Anelídeo atrás do endereço dado pelo velho. Quando encontraram a rua certa e, logo após, a casa de Anfisbena, Anelídeo desceu de seu carrão importado e tocou a campainha. A porta abriu e uma moça de beleza surreal apareceu. Ela era tão bela, mas tão bela, mas tão bela, que no primeiro momento, Anelídeo entrou em transe e se esqueceu de tudo. Um delicioso cheiro invadiu suas narinas, cheiro de vamos-ser-felizes, cheiro de bolo, de rosas, de tempo passando e noites adentro. Cheiro de café e jantar, cheiro de praia e de mar, cheiro de dia e luar, cheiro de uma vida para dois. E viu-se rodeado por cenas do futuro que ele queria com aquela mulher formosa ao seu lado.
            - Boa tarde, o que deseja? – ela perguntou.
            - Meu nome é Anelídeo. E eu desejo o seu coração.
            - Mas nem nos conhecemos.
            - Mas eu já estou apaixonado. – ele jogou-se aos seus pés, clamando por qualquer ação amorosa da moça mais linda que já havia visto.
            - Desculpa, mas eu não quero assumir compromissos. – lamentou-se a moça. – Quero ter um relacionamento com um homem que um dia eu realmente ame, e eu ainda não o encontrei.
            - Case-se comigo e eu prometo que eu serei esse homem. Eu sou o homem mais rico do mundo. Veja meu carro e minhas roupas! Eu prometo que lhe darei a vida que todas as mulheres querem.
            Então, a mulher lhe lançou um desafio para se livrar daquele maluco.
            - Aceito seu pedido de casamento se… você me der um presente.
            - Qualquer coisa que pedir, lhe darei.
            - Eu quero que você me dê aquilo que mais ninguém consegue ter, aquilo que só um homem trilionário como você pudesse conquistar.
            E fechou a porta sem dizer mais nada.
            Anelídeo passou a noite toda pensando, revirando as prateleiras de sua mente, espremendo sua massa cinzenta atrás da resposta.
            - Isso é impossível, Else. Não há nada que só eu consiga conquistar.
            O pobre homem caminhou até à janela e abriu o vidro. A brisa da noite lhe tocou o pescoço, lhe acariciou o rosto, lhe bagunçou os cabelos e clareou a mente. Olhando aquele céu estrelado, teve a ideia mais absurda de todas.
            - Else, venha aqui! Rápido!
            Eae foi correndo e parou ao seu lado, olhando pela janela.
            - Acho que encontrei o presente perfeito.
            Ela entendeu imediatamente.
            - Mas como conseguirá conquistar, seu Anelídeo?
            - Não há nada que meu dinheiro não consiga. – respondeu de supetão.
            E na madrugada seguinte, adentrando aquele matagal, iam Anelídeo, confiante, e Anfisbena, amedrontada, porém curiosa. Aquela floresta que contornava a lateral da cidade seria o melhor lugar para a entrega daquele presente. Era uma região perigosa, ele bem sabia, por isso carregava um punhal no bolso do terno. Ao chegarem em uma parte bem isolada da floresta, onde não corresse o risco de ninguém os encontraram, pararam de andar e ficaram um de frente para o outro.
            - Por que tivemos que vir até aqui?
            - Não podemos chamar a atenção das pessoas. O que tenho pra lhe dar, na verdade, eu tirei do mundo para dar especificamente a você.
            Ela ficou ainda mais curiosa e inconscientemente animada.
            - Isso é errado. Não posso ficar com algo que não me pertence.
            - Pertence sim.
            - Com que direito posso me apossar desse presente, se pertence ao mundo? – ela perguntou.
            - Com o direito que eu usei todo o meu dinheiro para comprá-lo para você. E agora é só seu!
            Anelídeo entregou-lhe uma caixinha. Ela pegou com muito cuidado, com os olhos fixos, corroída pela curiosidade.
            - Pode abrir. – ele disse.
            Com muito cuidado, ela obedeceu. Abriu a caixa de supetão e uma luminosidade incandescente saiu da caixinha. Uma luminosidade tão forte e tão poderosa, que cegou a moça no mesmo segundo.
            - O que é isso? O que está acontecendo? Não estou vendo nada. – disse a moça, com medo.
            Ao ver o que lhe tinha acontecido, Anelídeo fechou os olhos, com medo de também ficar cego. Ouvindo os gritos horrorizados da moça, tateou rapidamente à procura da caixinha e com muita dificuldade a fechou, trancando lá dentro a misteriosa luz assassina. Abriu os olhos e lá estava Anfisbena, ajoelhada no chão, chorando incontrolavelmente, com medo de nunca mais encontrar a luz do dia.
            - O que você fez comigo? – perguntou a moça, entre soluços de desespero e agonia. – O que é isso que tem dentro da caixa?
            Mas ele não soube responder. E não disse nada. Apenas observava tortuosamente aquela moça de beleza brilhante se rastejando no chão de seu infortúnio.
            - Cadê você? – ela gritava. – Cadê?
            - Eu estou aqui. – ele respondeu e, desesperado, tirou do bolso de seu terno o punhal e disse: - Me desculpa, Anfisbena. Me desculpa mesmo, eu não sabia… Então, para compensar o mal que lhe causei…
            Ele enfiou o punhal no próprio peito e abriu um buraco em formato de círculo. Um buraco grande o bastante para que sua mão pudesse passar, arrancar seu coração de dentro do seu corpo e tirá-lo para fora.
            - Aqui está o meu coração…
            Ele caiu de joelhos e, conseqüentemente, morreu deitado, com a mão esticada entregando seu coração para Anfisbena, mas ela não o pegou. E sem enxergar, nunca mais voltou a encontrar a civilização, até que tropeçou em algumas pedras e caiu em um rio que cortava aquela floresta. E a caixinha foi levada pela chuva para nunca mais.
            No dia seguinte à tragédia, o jornal local da cidade de Esperas publicou na primeira página aquela declaração que os astrônomos do instituto de pesquisas da cidade, tresloucados, fizeram à imprensa naquela manhã: Estrela recém-descoberta foi roubada do céu de Esperas.
Victor Tanaka

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