Histórias de amor acontecem qualquer
dia, qualquer tempo, com qualquer um. Menos com Romeu, que não amava. Amava sua
mãe, mas era um amor diferente. Ele queria aquele amor que um outro Romeu
conquistou naquela história que já foi adaptada para o cinema e para o teatro
incontáveis vezes.
Mas Romeu não amava.
Por uma reviravolta do destino,
enquanto passeava por uma calçada qualquer em um dia aparentemente comum, uma
senhora rechonchuda voltando da feira foi atropelada por um caminhoneiro que
dormiu ao volante. A velha foi arremessada para o outro lado da rua. E foi um
eterno furdúncio ao meio-dia. Um eterno furdúncio que possibilitou o começo de
uma eterna história, quando aqueles dois olhares se encontraram, como diamantes
perdidos em uma selva de pedra. e pareciam feitos um para o outro. Ambos se
esqueceram da senhora atropelada e sorriram.
Seu nome era Julieta. Naquela tarde,
Romeu e Julieta conversaram sobre tudo, e embora fosse a primeira vez que
conversavam, Romeu tinha a impressão de que já sabia tudo sobre ela, mas que
por algum motivo, havia esquecido. Ela tinha cheiro de infância.
Essa não era a única sensação
estranha que sentia perto de Julieta. A partir daquela tarde, após trocarem
endereços e números de telefones e nomes e finais de livros, Romeu chegou em
casa um tanto quanto amuado, o que despertou o interesse geral de seus
familiares que nunca o viram tão silencioso à mesa.
- O que houve, Romeu? – perguntavam.
E ele simplesmente respondia:
- Não sei. Só quero ficar em
silêncio.
Olhou para o lado, onde uma cadeira
vazia se prostrava e sua mente recriou a imagem de Julieta, erguendo um copo de
suco de laranja enquanto sorria para ele. Ao sentar-se à televisão para
assistir Casablanca, sentiu um profundo aperto no peito quando aquele
casal, na última cena de filme, deu seu último beijo apaixonado. Suas mãos se
fecharam contra a almofada. E enquanto tentava dormir, contando carneirinhos, acabou
contando Julietas. Não tinha outra, pensou. Sua noite teria sido muito mais
bonita se Julieta estivesse ali.
No outro dia, tomou com desgosto seu
café da manhã encarando a parede vazia. E com o passar do tempo, todos os seus
cafés das manhãs tornaram-se desgostosos conforme a saudade que nutria por
Julieta aumentava descompassadamente. Anos se passaram e eles nunca mais se
viram. Então Romeu entrou em depressão, foi ao cemitério à meia-noite e se
jogou em uma vala escura onde nunca mais foi encontrado, deixando no mundo
apenas seus bens materiais e uma apaixonada Julieta, que passara setenta anos
esperando uma ligação.
Romeu olhou para o relógio, parou de
fantasias e foi para o trabalho. Pensando em Julieta. E trabalhou. Pensando em
Julieta. E chegou em casa. Pensando em Julieta. E olhou para o telefone. E o
telefone o olhou, sem olhos. E ambos pensaram a mesma coisa: Julieta. Discou os
oito dígitos e aquela voz doce lhe atendeu.
Durante um mês Romeu e Julieta
encontraram-se diariamente. E conversavam e riam e ele não queria estar em mais
nenhum lugar do mundo em que ela não estivesse. Qual é o nome disso?
- É amor! – riu sua irmã.
- Isso é paranóia!
- Você está amando!
- Eu não posso estar amando! Eu
estou nutrindo um desejo quase sanguinário de vê-la todos os dias, a todo o
momento, e toda noite eu sonho com ela!
- Acredite… Você está amando!
Era impossível fugir da verdade. No
fundo, Romeu sabia que estava amando Julieta e era com ela que queria passar o
resto de sua eternidade. Mas tinha medo.
- Medo do quê? – perguntou sua irmã.
- E se não for recíproco? E se não
der certo? E se nosso amor não durar para sempre? Eu nunca tive um amor, mas
vejo todo mundo se lamentando com relacionamentos falhos, e eu não quero isso
para mim.
- Até que para um primeiro amor você
está bem covarde…
- Eu não sou covarde! Eu só sou
cauteloso.
- É covarde! Romeu… É melhor aceitar
uma queda do que nunca chegar às alturas.
E degustando aquelas palavras, Romeu
foi dormir determinado a saber se Julieta sentia por ele o tanto quanto sentia
por ela.
Naquela tarde invernal, dia
dezessete de junho, sentados em um sofá na sala de visitas da casa de Julieta,
ele olhou no fundo de seus olhos, como fazia todo dia, mas dessa vez, soltou
tudo o que o seu coração cantarolava silenciosamente.
- Eu te amo.
Um sorriso naturalmente surgiu na
face da moça, já delatando o que ela sentia por ele. Mas ainda de mãos dadas
com a insegurança, ele expressou uma condição para que pudessem começar um
relacionamento.
- Eu quero expressar uma condição.
- Que condição?
Ele pôs a mão no bolso de seu casaco
e cuidadosamente retirou aquela belezinha. Uma flor intensamente vermelha, a
mais vermelha e bonita que ela já tinha visto em sua vida!
- Essa é uma flor encantada, colhida
especialmente debaixo do ipê jasmim do precipício do leste.
- E o que ela faz? Realiza desejos?
– riu Julieta.
- Quero que a coloque num copo com
água. Uma flor comum morre um ou dois dias depois. Mas essa flor encantada
demorará bastante tempo para morrer. Ontem, às três da manhã, eu escolhi
especificamente ela e a colhi, e a cheirei e perguntei baixinho se você é a
pessoa certa para mim. Coloque-a num copo com água, e se depois de um ano ela
continuar viva, a resposta é sim e poderemos viver felizes eternamente.
- Terei que esperar um ano para
saber?
- Por você, eu esperaria uma década.
A rosa me dirá se o seu sentimento é recíproco. Todo dia eu virei visitá-la
para verificar se a flor permanecerá viva.
Julieta achou aquela ideia absurda,
mas seu coração concordou com a proposta. Então ela aceitou.
Naquela mesma madrugada, enquanto
revirava na cama à noite com o seu vizinho tocando clarinete, Julieta se
levantou para tomar um pouco de água. Enquanto passava pela sala de estar, deu
uma rápida olhada para o copo e… seu coração disparou! A flor já havia morrido!
Correu para o quarto chorou por duas
horas, desamparada, a pobre Julieta. Não queria que Romeu lhe deixasse, ele não
podia descobrir.
Saiu logo em seguida de casa,
cuidadosamente, e seguiu em disparada até o precipício do leste. Lá estava o ipê
jasmim e aquele mundaréu de flores extremamente vermelhas. E para sua sorte,
eram todas idênticas. Será que todas elas eram encantadas? E se seu plano não
desse certo? Arrancou qualquer uma daquelas rosas e a levou consigo. Ao chegar
em sua casa, substituiu a rosa morta pela flor que acabara de trazer e foi
dormir esperando que tudo desse certo.
No outro dia, veja só, Romeu foi
visitá-la e examinou minuciosamente a flor. O coração de Julieta bateu um pouco
mais rápido. Ficou tensa, no canto da sala, enquanto ele encarava aquela flor
vivíssima. Então, ele olhou para Julieta e sorriu.
- Por enquanto estamos indo bem. –
comentou ele, e lhe de um beijo.
Naquela madrugada, a flor morreu. E
mais uma vez Julieta chorou. Se as flores encantadas não viviam, é porque não
era para eles se casarem. Mas não podia ser! Não ia deixar aquilo acontecer!
Saiu madrugada adentro, colheu outra flor no precipício do leste e a colocou no
lugar da rosa morta. No dia seguinte, Romeu examinou a flor, sorriu e disse:
- Está dando certo.
E lhe de um beijo.
E toda noite, para martírio da pobre
amada, a flor morria. E ela a substituía por uma nova flor, que a cada
madrugada ela colhia no precipício do leste. Sentia-se feliz por seu plano
estar dando certo, mas ao mesmo tempo, sua alma se enchia de culpa e pesar por
estar enganando-o.
Passaram-se dias e semanas e meses,
até que o dia dezessete de junho chegou novamente. Naquela manhã, completando
um ano após a primeira rosa ser dada a Julieta, Romeu adentrou a casa e viu a
rosa ainda viva, com uma expressão de satisfação e contentamento no rosto.
- Isso é incrível! A flor está viva!
Isso significa que…
Ela sorriu em resposta.
- Julieta, - ele se ajoelhou aos
seus pés e tirou uma aliança de prata de dentro do bolso. – você aceitar se
casar comigo?
Trêmula, tentou responder, mas lágrimas
surgiram em seus olhos, e vê-lo ajoelhado aos seus pés, com aquela aliança
aparentemente caríssima, acreditando que ela realmente era a certa para ele,
era muito triste. Uma parte de sua alma o queria, mas a outra metade não queria
enganá-lo.
- Romeu, eu tenho que confessar
algo…
O sorriso dele foi sumindo aos
poucos.
- Diga, Julieta. O que foi?
- Essa flor… não é aquela rosa
encantada que você me deu há um ano atrás. – e as lágrimas caíram. – Mas eu
realmente não entendo…
- Como assim?
- A flor que você me deu morreu na
mesma noite. E eu a substituí por outra flor idêntica. Mas todas as flores que
eu colhia duravam apenas um dia, o que é realmente muito estranho, porque eu te
amo e…
- Não se martirize, Julieta. Isso
prova que eu devo me casar com você, agora com mais certeza do que nunca.
- Por que diz isso?
- Porque a flor que eu te dei não
era encantada coisa nenhuma. Todas as rosas do precipício do leste são rosas
comuns, que vivem como rosas comuns. E se durante um ano, você foi todas as
madrugadas, pacientemente, colher flores para substituir as que morriam, é
porque você não quer mesmo me perder. E me ama, assim como te amo.
Então eles se casaram, compraram uma
casa à beira-mar e tiveram uma filha. Viveram felizes para sempre.
Mas esse felizes para sempre durou
dois anos, quando o casal se divorciou e Julieta tirou tudo de Romeu, incluindo
a filha e a casa. Romeu recolheu sua solidão em um apartamento nos subúrbios da
cidade, onde encontrou um novo amor.
Seu nome era Mariana.
E na semana seguinte, Vanessa.
E na semana seguinte, Carol.
E na semana seguinte, Patrícia.
E então seu dinheiro acabou.
Victor Tanaka